segunda-feira, 11 de maio de 2009

Consequencias da 'Crise econômica' no Brasil


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“A crise é muito séria”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva . “E tão profunda que nós ainda não sabemos o que vai ser amanhã.” Lula acerta ao não fazer previsões. É impossível antecipar o rumo dos acontecimentos, quanto tempo a crise vai durar ou a dimensão dos reflexos que ela terá sobre a economia brasileira. Mas é possível falar do presente — e ele mostra que o país e suas empresas não estão imunes ao que acontece no resto do mundo.Alguns exemplos:- Dias atrás, a fabricante de aviões Embraer anunciou que adiará a entrega de cinco jatos da família 170/190. Há o risco de o negócio não ser concretizado, o que significará uma perda estimada em mais de 160 milhões de dólares. A postergação da entrega ocorreu porque os clientes — companhias americanas, européias e australianas — não encontraram dinheiro na praça para honrar o pagamento.- Empresas de trading, responsáveis por 30% do custeio dos produtores brasileiros de grãos, reduziram brutalmente o crédito, colocando em risco o financiamento da próxima safra.- Há cerca de três meses, a incorporadora paulista Abyara montou uma estratégia para reforçar seu caixa e reduzir um endividamento de 455 milhões de reais. As ações incluíam a venda da corretora de imóveis, de uma parte dos terrenos da companhia e a capitalização por meio de empréstimos ou de aumento de capital. A primeira medida foi concretizada com a venda da corretora para a BR Brokers, por 250 milhões de reais. As outras foram atropeladas pelo terremoto financeiro. “Não contávamos com a magnitude da crise, que foi devastadora”, diz Alexandre Sande, executivo de relações com investidores da Abyara.- Bancos e montadoras de automóveis começam a apertar os prazos de financiamento. O teto para o pagamento de um carro zero-quilômetro baixou de 99 para 72 meses. O mercado prevê que a situação vai apertar ainda mais, com nova redução do teto, para 48 meses, num futuro próximo.•Nos últimos dias, um regime de medo instalou-se no mercado financeiro mundial. Em situações assim, quem tem recursos prefere esperar para ver. E é justamente essa falta de dinheiro, a escassez de crédito, o primeiro reflexo no Brasil da crise gestada no mundo desenvolvido. “Não se trata de uma tragédia, mas a escassez de crédito no país preocupa”, diz Joel Bogdanski, economista-chefe do banco Itaú. “Foi justamente o crédito o grande motor do desenvolvimento brasileiro no período recente.” Como era previsível, o capital estrangeiro, uma das principais fontes irrigadoras do país, é o mais arredio. De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, cerca de 25% do total de dinheiro disponível para investimentos feitos no Brasil vem de fora. Essa é justamente a torneira que está secando mais rapidamente nos últimos meses, por vários canais. As multinacionais instaladas no país, por exemplo, têm agido como esponjas, sugando para a matriz boa parte do dinheiro disponível por aqui. Isso é visível quando se analisa o ritmo das remessas de lucros, que cresce de forma vertiginosa à medida que a crise internacional se agrava. Segundo dados do Banco Central, até agosto essas companhias enviaram 24,7 bilhões de dólares para o exterior. Esse valor já é maior do que a soma das remessas realizadas em todo o ano passado. Outra válvula de escape dos dólares é a bolsa de valores. Assustados com a deterioração do cenário internacional e pressionados a cobrir prejuízos lá fora, os investidores internacionais — responsáveis por cerca de 35% da movimentação da Bovespa — sacaram 9,1 bilhões de dólares do mercado acionário até o final de setembro. Na segunda-feira negra, dia 29 de setembro, a Bovespa registrou um dos maiores tombos de sua história: 9,36%. Foi uma das maiores quedas entre os pregões mundiais, motivada pelo pânico gerado após a rejeição, por parte do Congresso americano, de um pacote de ajuda de 700 bilhões de dólares ao mercado financeiro.Cenas de investidores estrangeiros batendo em debandada são recorrentes na história recente do Brasil, é verdade, mas o momento atual apresenta diferenças fundamentais. No passado, o país se portava como alguém que desejava muito participar de uma festa, mas se frustrava com freqüência por não ter o traje adequado para entrar no salão. Com problemas como a inflação nas alturas e o clima de instabilidade política, o Brasil sempre acabava barrado na porta. A maioria dos indicadores do país hoje, ao contrário, é positiva aos olhos dos investidores estrangeiros — e isso não mudou desde o início da crise americana do subprime. No final de setembro, em meio a um dos momentos mais agudos do pânico financeiro internacional, o IBGE divulgou dados mostrando que a renda da população crescera pelo terceiro ano seguido. A inflação, que meses atrás ameaçava se desgarrar da meta estabelecida pelo governo, voltou a ficar sob controle. E a taxa de crescimento do país em 2008, antes estimada em 4,8%, foi revista para 5%. Ironicamente, agora que o Brasil se apresenta em traje de gala para o baile da economia global, a luz do salão já acendeu e os garçons estão recolhendo as mesas e varrendo o chão. E essa luz, como definiu o ex-presidente do Banco Central e sócio do fundo Gávea Investimentos Armínio Fraga, já passou de vermelha para roxa. “No passado, o mundo tinha dinheiro para emprestar, mas não éramos um país confiável”, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências. “Agora, todos gostariam de negociar com o Brasil, mas não há dinheiro.”Crédito escassoEm agosto, os empréstimos para empresas no país chegaram a 422 bilhões de reais — ante o volume de aproximadamente 300 bilhões de reais registrado no mesmo período do ano passado. Com o agravamento da crise nos Estados Unidos, as companhias deverão continuar recorrendo aos bancos nacionais como fonte de financiamento. Isso tende a pressionar ainda mais o estoque de crédito das instituições, que reagem tornando o dinheiro mais caro e a concessão de crédito muito mais seletiva. Para complicar o quadro, também os bancos brasileiros costumam recorrer ao mercado internacional de crédito para captar recursos e repassá-los a clientes brasileiros — recursos que hoje não mais estão disponíveis.Não bastasse esse cenário adverso, a situação de escassez de dinheiro no país se agravou nas últimas semanas devido à atuação de grandes empresas. Sadia e Aracruz registraram enormes perdas apostando na desvalorização do dólar frente ao real nos mercados futuros e tiveram de recorrer aos bancos para cobrir o rombo decorrente do erro na aposta — nas últimas semanas, é o real que tem perdido valor frente à moeda americana. Essa corrida tornou ainda mais rarefeita a camada de crédito disponível no mercado. A prática de especulação cambial, embora não seja ilegal, sempre foi encarada com ressalvas por parte do mundo financeiro, uma vez que expõe o caixa das empresas a fortes oscilações das moedas. Foi o que aconteceu quando a maré virou e a cotação do dólar subiu. A Sadia anunciou prejuízo de 760 milhões de reais com esse tipo de engenharia financeira — mais do que todo o seu lucro líquido no ano passado. Estima-se que a Aracruz tenha perdido cerca de 300 milhões de reais na jogada. Os diretores financeiros dessas duas empresas foram afastados e as ações despencaram.Tão logo percebeu os estragos que a desvalorização do real e a falta de dinheiro no caixa das empresas poderiam causar, o governo começou a injetar liquidez no mercado financeiro. A primeira medida consistiu em voltar a oferecer dólares ao mercado por meio de leilões cambiais, algo que não acontecia desde 2003. Até o final de setembro, o Banco Central já havia vendido cerca de 1 bilhão de dólares. A segunda ação do BC teve como objetivo diminuir o nível do depósito compulsório — a parte dos recursos que os bancos são obrigados a recolher para a instituição a fim de evitar uma expansão exagerada do crédito. Com o afrouxamento do compulsório, até o final de setembro cerca de 5,2 bilhões de reais voltaram a circular no mercado. As empresas exportadoras são outro ponto de atenção. Elas dependem de captação externa para financiar suas atividades, e esses recursos, quando existem, estão mais caros. Segundo dados do BC, o volume de empréstimos para os exportadores caiu 19,6% nos últimos 12 meses. No mesmo período, as taxas subiram de 11,1% para 17,4% ao ano. Para amenizar o problema, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que, até o fim do ano, o Tesouro fará aporte extra de 15 bilhões de reais para que o BNDES possa atender a parte da demanda de financiamento.Com o prolongamento da crise internacional, novas medidas podem ser adotadas. Uma das opções em debate nos últimos dias é utilizar parte das reservas cambiais do país, estimadas em 200 bilhões de dólares, para criar fundos de emergência de financiamento às empresas. Faz sentido tentar manter a liquidez do sistema, mas essa estratégia esbarra em duas limitações. Uma delas é que, por mais recursos que se mobilizem no momento, não há como suprir todo o fluxo de capital estrangeiro que irrigava a economia do país. Até o próximo ano, espera-se uma queda de84 bilhões de reais no volume de recursos direcionados aos investimentos produtivos — esse valor equivale ao orçamento do BNDES para 2008. Além disso, abrir exageradamente os cofres do governo pode aumentar o déficit nas contas públicas, atualmente perto da casa dos 60 bilhões de reais. “Já passamos do razoável em termos fiscais”, diz Fraga.Num cenário de grande turbulência no mercado global e recursos limitados do governo para aliviar os estragos, as empresas nacionais devem ser impelidas a realizar mudanças. A rede de varejo Casas Bahia, que tem 90% de suas vendas atreladas a financiamentos, registrou aumento de 45% para 55% na taxa de recusa às adesões de cartões de crédito de seus clientes nos últimos meses — ou seja, mais da metade dos pedidos de crédito tem sido barrada no crivo dos bancos. No curto prazo, segundo a empresa, esse aperto de crédito não compromete os números projectados. “Mantemos nossa previsão de crescimento de 7% para 2008”, diz Michael Klein, presidente da Casas Bahia. Mas, se as restrições aos pedidos de financiamento seguirem numa escalada e persistirem por muito mais tempo, parte do desempenho das vendas de bens de consumo no país vai ser comprometida. Um dos setores que podem ser mais atingidos é o de automóveis, cujas vendas hoje consomem um terço do crédito para pessoa física no Brasil. O mercado de carros, que cresceu 30% no ano passado, já projecta um crescimento menor para 2008. As estimativas variam de 10% a 20%. Outro setor em franco crescimento graças ao estímulo do crédito é o imobiliário. Em 12 meses terminados em Agosto deste ano, os bancos privados financiaram a compra de mais de 276 000 imóveis, um recorde histórico. Se a crise se alongar, é muito provável que esse ritmo seja contido.Esses problemas não representam uma fração sequer do que vem acontecendo lá fora, com a quebra bilionária de bancos e seguradoras, a ameaça de recessão e de disparada inflacionária e o desmonte do sistema financeiro. Vistos isoladamente, podem até não impressionar. Mas, em seu conjunto, têm o potencial — ainda não totalmente definido — de brecar o crescimento robusto que o Brasil vem atingindo nos últimos anos. Tal expansão foi beneficiada pelo vigor mundial e pela emergência de novas potências, como a China. Com um crescimento do PIB na casa dos 10% anuais, a China deu origem ao chamado super ciclo das commodities, um movimento que levou a produção e os preços de alimentos, metais e combustíveis a níveis inéditos. Poucos acreditam que a China crescerá menos de 8% ao ano na próxima década. Mas, assim como o Brasil, o país não está imune à doença do resto do mundo e já pressiona para baixo o preço das commodities. Nos últimos dias, os chineses resistiram ferozmente a um aumento de 11% no preço do minério de ferro fornecido pela Vale. Jornais chineses chegaram a noticiar a suspensão das compras — notícia negada posteriormente por Roger Agnelli, presidente da Vale. No setor do agro negócio, tanto fazendeiros quanto especialistas no mercado temem a interrupção nos próximos anos das sucessivas quebras de recorde na produção de grãos. “Se o mercado financeiro nos Estados Unidos diminuir ou estabilizar suas perdas, teremos uma volta dos fluxos de crédito em dois meses”, afirma Maílson da Nóbrega. Quando o dinheiro voltar para o mercado, é certo que o volume de capital disponível não será igual ao dos tempos de farra de liquidez na economia global.Na hipótese mais otimista, projectada pela consultora LCA, o ritmo de crescimento do volume de crédito para empresas deve cair de 20,4%, em 2008, para 17,6%, em 2009. No caso do crédito pessoal, a redução no período deve ser de 17,8% para 15,7% (veja quadro ao lado). Ou seja, apesar do nervosismo actual, nesse cenário haveria apenas uma leve desaceleração dos empréstimos no próximo ano. Já num quadro pessimista, que considera uma recessão prolongada em mercados como os Estados Unidos e a Europa, o volume de crédito disponível para as empresas vai ficar praticamente estacionado em 2009, apresentando uma ligeira oscilação negativa. O desempenho do PIB do Brasil no período está directamente atrelado a essas variáveis. Num cenário positivo, a taxa de evolução do PIB será de 3,7% em 2009. Na hipótese de uma catástrofe, esse índice cai para 2%. “Mesmo com os recentes desdobramentos da crise americana, nossa expectativa é que o cenário mais optimista tenha 65% de chance de se confirmar”, diz Paulo Borges, economista-chefe da LCA.

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